Saberia ser o que lhe dissessem:
ser poeta e ver mais longe,
mas não tão longe que
avistasse a vertigem (aceitaria a mão
se lha estendessem),
recitar uns versos, a voz impedida,
mas sem mostrar as lágrimas (não queria
ser fácil),
entreabrir a blusa até ao terceiro botão,
(mas não mais do que isso, não era oferecida).
Acreditava na poesia,
entregaria o resto à imaginação.
Nunca é fácil ser só o que se é.
Recolheria a pose, o estatuto,
a dádivas de mel dos seguidores,
nomeações para prémios,
convites para colóquios, feiras e festivais,
— aceitaria o estatuto que lhe concedessem:
clandestina, refugiada, pária, apátrida.
Não faria diferença, não era ninguém,
esconderia as dúvidas e a cama vazia
(aí onde, apenas aí, havia um vislumbre
de profundidade), e talvez então
tivesse direito a ver o seu nome numa hauntologia.