30.8.25

Acção política


O tempo fechado como um punho
que se cerra sem nada dentro.
Poderia erguê-lo em protesto, resistência
ou agressão, esmurrar os dentes não sabia
de quem,
mas o interior permanecia vazio
e os dedos
acabavam sempre por ceder.
Quem nada tinha nada podia.



21.8.25


A lenda da língua

De acordo com uma fábula de Phaedrus,
quando Prometeu moldou a humanidade,
modelou a língua da mulher
a partir de matéria extraída
dos genitais masculinos
(A fictione veretri linguam mulieris.
Affinitatem traxit inde obscenitas.
Fábulas, 4.15 — a citação
era decorativa, não lia latim).
Daí a obscenidade inata da fala feminina:
a mulher usa um membro usurpado,
uma língua impúdica por natureza.
Era desagradável, dispensava a moral, 
mas talvez o autor
não estivesse completamente errado.




20.8.25


E lucevan le stelle

Estava vacinada (era assim
que se ouvia dizer, não era?
Um lugar-comum, é claro,
como uma garantia de 
imunidade de rebanho da língua,
protegendo-nos de si própria.
Mas era essa a função e a utilidade
dos lugares-comuns:
colocarem-nos por entre os outros,
mostrarem-nos que eramos feitos
da mesma matéria, da mesma mágoa
que a todos sepultava
sob um céu de cinzas) contra a nostalgia.




2.8.25


Ensaio visual




17.6.25


As Lágrimas de Eros

E talvez, afinal,
isso a que chamava
literatura
(ou poesia, ou arte,
ou outra palavra
com quatro letras)
não tivesse outro fim
nem outra função
senão a de fazer de si mesma
fim e função. Sem órgãos,
sem geração,
no corpo e contra o corpo,
como corpo que faz
da cama tecto e túmulo.
Sem língua, sem som,
na boca e contra a boca,
como voz que é eco
nos olhos dos mortos.