8.9.24


Reprodução e revolução

A educação principiava com o primeiro não.
Era preciso aprender as palavras, reprimir
o desejo
e habituar-se a obedecer.
A palavra, no grau zero da língua,
era entregue pronta a consumir.
Variava em género
(havia um não para os meninos,
azul, outro para as meninas,
cor-de-rosa, 
mas por vezes surgia em vermelho
—tentavam descartá-lo), idade,
cor da pele e condição económica.
A palavra implicava o respeito pelas
hierarquias:
o não de uns era mais capaz e produtivo.
Incutia medo e fazia obedecer.
O dos outros (multidão) servia apenas para
dissimular a sua sujeição. Mas era o mesmo,
distinto no peso e no uso,
e que tarde ou cedo serviria para
devastar a língua e atear o tempo.