Algures no final do século XX
(antes dela própria ter atingido a consciência crítica,
antes da própria época a ter consumado)
as meta-narrativas de emancipação
teriam dado lugar ao apontamento biográfico, ao
registo rasteiro da raiva e constatação cínica.
Faltava-lhes a fala: quem dizia o quê,
quem via, quem lia?
O que sobrava era um regime de narrativa visual
que quase prescindia das palavras.
E hoje (mas haveria um hoje? Um lugar
onde o tempo coincidisse consigo mesmo?
Os olhos, com as coisas, as coisas, com a sua representação?
Tinha dúvidas) parecia sempre haver um autor
da segunda metade do século XIX
que o tinha escrito melhor — Nietzsche, Rimbaud, Whitman?
D'Annunzio? O que quisessem.
Mas, pobres como pobres que não sabem sequer
o que podem pedir, dir-se-ia aceitarmos os simulacros
de indignação. Nada tinha mudado,
mas já não estávamos no mesmo lugar. Quanto aos livros,
empilhavam-se nas prateleiras
como peixe da véspera na banca do supermercado.
Cada um por si, lado a lado, mortos de várias mortes.
Por vezes os olhos ainda brilhavam.